Meta Description: Decisão de Gilmar Mendes sobre pejotização gera debate entre STF e Justiça do Trabalho. Entenda os impactos.
O Que é Pejotização?
A pejotização é a prática cada vez mais comum no mercado de trabalho brasileiro, onde empresas contratam trabalhadores como se fossem pessoas jurídicas (PJs), em vez de empregados com carteira assinada. Em vez de um vínculo formal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a relação passa a ser contratual, por meio de CNPJ aberto pelo próprio trabalhador.
Essa modalidade surgiu com a intenção de reduzir custos com encargos trabalhistas, como FGTS, férias remuneradas, INSS e verbas rescisórias. Com isso, empresas ganham maior flexibilidade contratual e, em tese, os prestadores de serviço também. Porém, quando usada de forma abusiva, essa prática pode ocultar um verdadeiro vínculo empregatício, privando o trabalhador de direitos fundamentais.
Exemplos práticos incluem médicos, enfermeiros, jornalistas, designers e até mesmo profissionais de TI que são contratados como PJs, mas cumprem horários, metas, ordens diretas e trabalham com exclusividade — elementos típicos de uma relação de emprego.
Contexto Atual da Pejotização no Brasil
A pejotização tem crescido expressivamente nas últimas décadas, impulsionada pela busca de redução de custos operacionais pelas empresas e a informalização progressiva das relações laborais. Setores como tecnologia da informação, saúde, comunicação e logística são os mais atingidos, onde a contratação por meio de pessoa jurídica virou uma espécie de “novo normal”.
Segundo dados do IBGE e do CAGED, entre 2017 e 2024, o número de microempreendedores individuais (MEIs) saltou em mais de 40%. Parte significativa desses registros está relacionada à pejotização. A multiplicação de ações trabalhistas discutindo a legalidade de tais contratos levou à judicialização intensa do tema.
Vários tribunais do trabalho passaram a reconhecer o vínculo empregatício mesmo quando havia um contrato firmado entre empresas, aplicando a primazia da realidade — princípio segundo o qual o que vale é a prática da relação, e não a forma como está no papel.
O Papel da Justiça do Trabalho
A Justiça do Trabalho tem desempenhado papel fundamental na tentativa de equilibrar os direitos dos trabalhadores frente ao avanço da pejotização. Muitas decisões judiciais têm desconsiderado o contrato entre empresas quando identificam elementos típicos da relação de emprego: subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade.
Entre os casos mais emblemáticos, estão decisões envolvendo hospitais que contratam médicos como PJs, mas exigem carga horária, plantões e ordens superiores, caracterizando vínculo direto. Outro exemplo são motoristas de aplicativos e entregadores, onde a discussão gira em torno da subordinação algorítmica.
Em todas essas situações, a Justiça do Trabalho tem buscado proteger o trabalhador das consequências da informalidade mascarada. No entanto, isso tem gerado atritos com outras instâncias do Judiciário, sobretudo com o STF, como veremos a seguir.
A Decisão de Gilmar Mendes
Em abril de 2025, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão de todos os processos no Brasil que tratam da validade dos contratos de pejotização. A decisão liminar foi concedida em resposta à alegação de que a Justiça do Trabalho estaria desrespeitando precedentes do próprio STF, o que estaria causando insegurança jurídica.
Segundo Gilmar Mendes, a paralisação é necessária para garantir a coerência nas decisões judiciais e evitar sobrecarga no Supremo. O objetivo é permitir que o plenário do STF julgue com calma três aspectos centrais:
- A legalidade dos contratos de prestação de serviços entre pessoas jurídicas.
- A competência para julgar esse tipo de litígio.
- A responsabilidade de provar eventuais fraudes nesses contratos.
Essa suspensão atingiu milhares de ações em todo o país, criando um vácuo jurídico temporário, especialmente em processos de reconhecimento de vínculo empregatício por pejotização.
STF vs Justiça do Trabalho: Embate de Competência
O principal ponto de atrito entre o STF e a Justiça do Trabalho gira em torno da competência jurisdicional. A Constituição Federal, em seu artigo 114, atribui à Justiça do Trabalho o julgamento de todas as ações oriundas da relação de trabalho. Isso inclui, portanto, situações em que há suspeita de fraude contratual por pejotização.
Contudo, o STF tem adotado uma postura mais liberal, defendendo a autonomia das partes e a liberdade contratual, especialmente quando não há vínculo direto de subordinação. Ministros como Gilmar Mendes argumentam que a Justiça do Trabalho tem extrapolado suas competências ao desconsiderar contratos legítimos entre empresas.
Por outro lado, ministros como Edson Fachin defendem a interpretação ampliada do artigo 114, ressaltando que a simples presença de um CNPJ não afasta a possibilidade de haver vínculo empregatício. Essa divergência aguarda agora uma definição clara no julgamento do recurso extraordinário.
Livre Iniciativa vs. Proteção Trabalhista
A decisão do STF, especialmente na liminar de Gilmar Mendes, expõe uma tensão histórica no Direito Brasileiro: o equilíbrio entre a livre iniciativa — princípio essencial da ordem econômica — e a proteção aos direitos sociais e trabalhistas.
De um lado, defensores da pejotização argumentam que esse modelo proporciona mais autonomia para o trabalhador e reduz a rigidez da CLT, que muitas vezes é considerada engessada para as novas formas de trabalho. A livre iniciativa, nesse contexto, permite que empresas e prestadores negociem livremente os termos contratuais, adaptando-se à realidade do mercado.
De outro, os críticos alertam que esse tipo de flexibilização pode abrir portas para abusos. A pejotização, quando utilizada como mecanismo para disfarçar uma relação empregatícia, resulta em precarização do trabalho. O prestador de serviços, embora formalmente PJ, pode não ter poder de negociação real, sendo obrigado a aceitar condições desfavoráveis para manter o sustento.
O desafio, portanto, está em estabelecer limites claros para a atuação empresarial dentro da legalidade e da boa-fé objetiva, sem desconsiderar os direitos fundamentais do trabalhador. A Constituição Brasileira assegura a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho — princípios que não podem ser negligenciados.
A Teoria da Agência e a Pejotização
A teoria da agência, usada na Economia e no Direito, ajuda a entender os conflitos gerados pela pejotização. Nela, temos dois personagens principais: o principal (empregador/empresa) e o agente (trabalhador). A teoria analisa como os interesses entre essas duas partes nem sempre estão alinhados, e como isso pode gerar assimetrias de informação e riscos.
Na pejotização, essa assimetria se manifesta quando o prestador de serviços é compelido a aceitar um contrato que transfere todas as responsabilidades, riscos e obrigações a ele, sem que tenha real autonomia ou poder de barganha. Em muitos casos, há até exclusividade, metas e controle de horário — elementos típicos de um contrato de trabalho.
Empresas se beneficiam financeiramente, mas o custo social pode ser alto, já que trabalhadores perdem acesso a direitos básicos como aposentadoria, seguro-desemprego, auxílio-doença e férias remuneradas. É por isso que a teoria da agência também serve como crítica à pejotização abusiva, indicando a necessidade de regulação mais eficaz.
Além das métricas citadas anteriormente podemos citar também advogados trabalhistas que detém total interesse nas causas, além dos operadores do direito trabalhista muitas vezes ganhando bonificações e adicionais por processos concluídos, além do próprio estado ganhando com custas e recolhimentos de tributos.
Contratos de Prestação de Serviço: O que Muda?
A suspensão dos processos pelo STF levanta uma grande interrogação sobre o futuro dos contratos de prestação de serviços entre PJs. Muitos desses contratos foram redigidos com cláusulas padrão que, se analisadas à luz da CLT, indicariam um vínculo empregatício encoberto.
Com a decisão de Gilmar Mendes, espera-se que haja uma redefinição da jurisprudência. A tendência é que o STF estabeleça critérios mais objetivos para distinguir contratos legítimos de prestação de serviço de situações fraudulentas de pejotização.
Alguns aspectos que devem ser observados nos contratos futuros:
- Autonomia real do prestador de serviço (sem subordinação direta)
- Ausência de pessoalidade (possibilidade de substituição do prestador)
- Remuneração vinculada a resultados, e não a tempo de serviço
- Inexistência de jornada fixa ou controle de ponto
- Liberdade contratual plena, inclusive para atuar com outros clientes
Empresas que não se atentarem a esses pontos poderão enfrentar problemas legais futuros, especialmente após o julgamento definitivo do STF.
Ônus da Prova em Casos de Fraude
Outro tema central que será decidido pelo STF é a responsabilidade pela prova em casos de suposta fraude nos contratos de pejotização. A grande questão é: quem deve provar que houve — ou não — uma relação de emprego disfarçada?
Atualmente, a Justiça do Trabalho adota o princípio da primazia da realidade, o que favorece o trabalhador. Ou seja, mesmo que o contrato diga que se trata de uma prestação de serviço entre empresas, se na prática há subordinação, habitualidade e pessoalidade, o vínculo empregatício pode ser reconhecido.
Contudo, setores empresariais defendem a inversão do ônus da prova. Para eles, caberia ao trabalhador comprovar que não era, de fato, um empresário, mas sim um empregado informal.
O julgamento do STF poderá mudar esse cenário, impactando diretamente milhares de ações trabalhistas em tramitação. A definição sobre quem deve provar o quê será crucial para o equilíbrio entre segurança jurídica e proteção social.
FAQ sobre Pejotização e STF
1. O que é pejotização?
Pejotização é a prática de contratar trabalhadores como pessoas jurídicas (PJ) para evitar o vínculo empregatício regido pela CLT.
2. É legal contratar via PJ?
Sim, desde que não haja subordinação direta, pessoalidade, habitualidade e onerosidade. Caso contrário, pode ser considerada fraude.
3. Qual foi a decisão do STF sobre pejotização?
O STF suspendeu todos os processos sobre pejotização até julgamento definitivo, buscando uniformizar a jurisprudência.
4. A Justiça do Trabalho ainda pode julgar casos de PJ?
No momento, os processos estão suspensos, mas o STF decidirá se a Justiça do Trabalho tem ou não competência definitiva sobre o tema.
5. A decisão de Gilmar Mendes tem efeito imediato?
Sim, os efeitos são imediatos e válidos até o julgamento do mérito pelo plenário do STF.
6. O que empresas devem fazer diante dessa decisão?
Rever contratos, garantir autonomia dos PJs contratados e buscar assessoria jurídica especializada.
Conclusão
A decisão do STF sobre a pejotização é um divisor de águas nas relações de trabalho no Brasil. Ao suspender processos e sinalizar uma mudança na forma de tratar os contratos de prestação de serviço entre pessoas jurídicas, o Supremo instiga uma reflexão profunda sobre os limites da liberdade contratual.
O julgamento que está por vir poderá definir o futuro de milhões de relações de trabalho, influenciar políticas públicas e moldar a dinâmica empresarial do país. Enquanto isso, tanto contratantes quanto contratados devem agir com cautela, transparência e responsabilidade jurídica.
🔗 Leitura complementar recomendada: Análise do STF sobre Terceirização e Liberdade Contratual